sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Paralisia (miniconto)

Mudança de cômodo: inútil. Há anos sentira sua lenta aproximação e agora ele estava ali. Éramos presa e predador. Fora isso, o túnel negro da noite infinita.
Ruído de tranca se abrindo, o predador saía. Minutos depois, voltava. Teria feito outra presa nesse meio tempo? Se não me encolhesse no mais absoluto silêncio e escuridão, ele me deixaria um golpe, ou um cagalhão pelo caminho, apenas para depositar sua merda no território que era o seu. Talvez uma blasfêmia, era isso, se crentes nós fôssemos: mas não acreditávamos em nada: ele na força, e eu no ódio dele, se já nem tanto na possibilidade de escapar, ou na (triste) alegria que  vem de sabermos não ser ainda a nossa hora. Mas era, ó Santo Vácuo: era a minha hora, e nem mil lambaris frente a um tubarão temeriam tanto.
Afora aqueles golpes, apitava forte a noite escura, apitava certo ultra-som, mais agudo do que todos os agudos: era o nada (escapar? Para um lugar que não fosse o túnel negro da noite infinita? Isso era tão grande quanto o deus que já tinha se ido). Pior que o Ser é o Nada; se o predador não conseguir se alimentar devidamente e a presa não pudesse oferecer-lhe sua carne – a fome sempre virá, pensei, e eu estarei por aqui, e gritarei e ninguém há de perceber meus gritos, não tem caçador, nem Salvador: só Lobo Mau e Chapeuzinho Vermelho, Marion e Norman Bates, Jesus e Judas, Nedda e Canio, 6 milhões de judeus e Hitler. Ali sempre estará você. E ali também os seus ossos, que são da cor dos meus.
Não sabia se éramos macho ou fêmea. De fato, não importava, pois eram apenas carnes; uma pronta a devorar, outra, a ser devorada. O andar; pesado; o rosto, velado. Cabelos nas patas, talvez grudados no sangue das vítimas. A dor da vida, o som da morte. E o espaço sideral ainda mais adverso, com mais vácuo que planetas onde se pudesse morar e presas que se pudesse comer. Era essa a hora em que o Deus Ex Machina sairia de seu andaime com a varinha salvadora (ou seria a fada?). Mas o predador não gostava de filmes: de fato, na sua ignorância animal, não vira nenhum. Às vezes parecia esperar, pacientemente, a conversão de sua presa, que ela o seguisse nas peregrinações (um cúmplice, um lambe-botas, um assecla, um filhote de predador, talvez). Mas eu não ia.
E nem vinha. 

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