quinta-feira, 10 de abril de 2025

Loucura derretida. Episódio 3: a velhinha e o Google

Desde os tempos de Jesus, o terceiro dia é o que paga a pena. A tensa atenção inicial, por andarmos em estradas completamente desconhecidas, tornou-se a norma, o hábito relaxado (tanto quanto me é possível...), o convite a olhar em torno a nós no trecho Aracaju-Maceió. O Maps, nosso apego seguro nessa longa jornada, afinal errou, e por graça da Fortuna, foi na linda rodovia AL-101 (que escolhemos por ser linda, mas não rápida). Ela interrompeu-se abruptamente em um rio, e foi com surpresa que descobrimos ser o São Francisco em pessoa.
Em água, no caso. 
Assim nos traía a longa estrada de estonteantes curvas, um alívio bem-vindo com relação à mesmice do dia 2. Escolada em realismo pessimista, imaginei que a balsa de Penedo tardaria; que teríamos de passar a noite no vilarejo; e a procissão fluvial do Bom Jesus duraria horas, castigando meus ouvidos com a infernal combinação de religião e música alta. Mas mesmo ali, onde se vem ainda muitos peões a 🐴 , o tempo já não é propriamente o das carroças... Mesmo ali, onde os velhos passam a tarde sentados na calçada (como que especialmente situados para informar aos viajantes perdidos onde era o cais da balsa), nas estreitas e coloniais ruas em que mal passa um carro, é fácil cruzar o rio com uma balsa motorizada. 
Gostaria de dizer que o Google não açambarcou esse povoado de outros tempos, mas, uma vez que a velhinha corrigiu nossa rota, o app nos levou até lá sem maiores dificuldades :(... 
Não sei como há quem consiga ser romântico nesse mundo de controle 24/7...  Dá saudade de seguir o dedo indicador de alguém ao invés da setinhas eletrônicas? Meu self tecnofobico não gosta de máquinas, mas, sem elas, não estaría ali mirando a bonita paisagem, nem perguntando pra gente. 
Não sei o quanto de afeto se perdeu com o mapeamento do mundo, nem o quanto de tempo se ganhou com a assombrosa eficiência nos trajetos. Tempo para maratonar séries? Pergunto-me, e as vivências já não me entregam respostas fáceis. 
Certamente, não amo a voz monótona do GPS que nos guiava em uma viagem quase sem surpresas em meio a caminhos totalmente desconhecidos. Mas desconhecer o caminho e estar perdido são duas situações totalmente distintas. 
Ponto para quem nos vê sobretudo como entidades em busca de evitar o sofrimento - ainda que os prazeres ganhos sejam muito mais fugazes do que o de avistar amáveis velhinhas na calçada.
Esse foi o dia de interações inesperadas: também com o professor do instituto Federal de Brasília que viajava de férias com seu filho; e com alguns jovens com quem compartilhamos a deslumbrante vista do Mirante do Robalo. Queria saber porque esses contatos não duram: ninguém troca contatos como na era pré-Google, nem investe tempo em conhecer os outros; deve ser porque, no pior dos casos, é possível bater papinho com o ChatGPT. Aí, vale o perdão para os que não sabem o que fazem, mas não para os que desistem de saber...



















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