Origem última da vida (combinado com a generosa água que sob ele se agita, como Gaia sob Crono), lá estava Ele, ocupando sem cerimônia nosso quartinho à beira-mar. Nossas delgadas cortinas não foram páreo para aquela imensidão de amarelo e azul. Aqui, no hemisfério sul, a Aurora faz seu passeio pelo céu estendendo dedos que não são róseos, mas sim dourados. Estamos na cidade de Marechal Deodoro, pertinho de Maceió. O sol já nos prepara para a plenitude equatorial de sua existência potiguar, como que nos encorajando a pegar o trecho final de nossa viagem.... "Venham, estou à espera...".
Edward Alving despedia-se do Sol; nós viemos ao seu encontro, e tudo que lamento é não estar de férias para poder caminhar sem pressa sob o esplendor de seus raios que ameaçam queimar minha pele branquicenta. Um anticlímax, por assim dizer: sedutor e mortal.
A Aurora, linda e pujante como eu nunca vi, nos apresenta ao Sol que nos guiará pelo resto do dia, acompanhando a estrada curva - na horizontal e na vertical (sim, na vertical. A BR-101 é repleta de lombadas-surpresa).
Perturbam-me as casinhas à beira da estrada pintadas só na parede frontal, enquanto as outras paredes permanecem com os tijolos à vista. "Não faz sentido", digo, tentando convencer o Edu, que não se incomoda nem tem opinião, "se alguém tem dinheiro para comprar tinta, por que não comprar o reboco antes?".
Mas outro detalhe me chama atenção: as casas nunca têm a mesma cor. Pintar a parede da frente deve ser um modo de identificar onde mora cada família. Aliviada com a engenhosidade (e não a aparente burrice) do povo brasileiro, vamos passando por placas que indicam icônicos lugares (Praia do Francês, Porto de Galinhas), promessas de deliciosas viagens. Isso, é claro, se fosse eu outra pessoa, se estivesse de férias e/ou se recebesse visitas. Às vezes é um ato de Amor Fati imaginar sua vida se você não fosse você mesma.
Neste trecho final, eu me imagino Alexander Supertramp - não rumo à sua morte nos confins do Alasca, mas sim cortando as planícies desérticas na costa californiana, todo tostado sobre um big, Big Hard Sun. Esse jovem extraordinário não temia queimaduras solares... Seja como for, é ouvindo a trilha sonora de Into the Wild, de Eddie Vedder, que chegamos a Natal.
Penso: aqui estou eu, Astro Rei, e mesmo não sendo Alexander Supertramp; sendo mais apegada a esta maravilhosa brisa natalense do que aos vossos raios potentes e perigosos, te admiro aqui da minha sacada, enquanto sigo frente ao computador, fazendo as mesmas coisas de sempre... No fim dessa jornada, minha loucura derretida e domesticada vislumbra Alving e Supertramp enquanto, desfazendo e refazendo as malas, tento imaginar no que Natal será igual, ou diferente, de tantos lugares nos quais já morei.