Nesse nosso mundinho uber capitalista excepcionalocêntrico, repleto de extraordinários-ordinários, esse livro celebra dois indivíduos extraordinariamente-extraordinários.
Perdão pelo excesso: é necessário superar os superlativos, para fazer dos superlativos, superlativos; para que o superlativo seja realmente super. Pois entramos, aqui, no campo dos excessos.
Como muitos, ouvi falar de William Masters & Virginia Johnson nas aulas sobre sexualidade. Mas, nos anos 1990, não havia nem a série, nem uma biografia tão acessível quanto essa, de Thomas Maier. Cheguei a ela depois de cair em estado absoluta perplexidade com a série (gratuita no Mercado Play) que exibe pares de estranhos aleatoriamente copulando em frente a um outro casal de estranhos.
Ainda mais espantoso é que a cena não seja de um filme XXX , mas sim uma biografia ficcionada dos experimentos em resposta sexual humana realizados por Masters & Johnson entre 1956 e 1966. Imaginar qualquer tentativa similar de pesquisa no ambiente universitário mais de 60 anos depois já nos traz a medida do quão destemida foi a dupla de pesquisadores em seu tempo.
Tive dificuldade de crer em meus olhos, achando que a série pecava pelo excesso, mas não: e o livro acrescenta o detalhe cômico de que os casais, pareados aleatoriamente, realizavam sua prazerosa tarefa (às vezes sem conversa alguma, ou conversando apenas sobre temas inócuos, como o tempo) protegendo seu anonimato com sacos de papel, fronhas com buracos ou (por fim) capuzes costurados pela mãe de Masters, que apoiou o seu filho apesar dos aborrecimentos que as repercussões do trabalho causaram à família.
Em um mundo tão escasso de retratos de cientistas que desafiaram os limites do seu tempo, tocou-me a história desses dois que sacrificaram muito de suas vidas privadas para avançar em um saber; que se tornaram parte de uma causa importante para a saúde humana universal; e que inspiraram seus participantes com essa mesma certeza.
Para servir aos propósitos de seu gênero, a série acabou incorrendo em deformação dos personagens, acréscimos de storylines e outros problemas, mas consegue transmitir muito bem a verdade emocional desse interessante capítulo da história da ciência. E nos mostra as consequências de ser gente e ser afetado pela pesquisa com outras gentes; do sujeito do conhecimento frente ao objeto-sujeito a ser conhecido, das empolgantes surpresas que podemos encontrar no percurso do conhecimento, mesmo em nossa falibilidade e fraqueza.
Masters pesquisou com dinheiro do próprio bolso. Ele e Johnson providenciaram um recheio digno para essa palavra vaga chamada "pesquisa". É ciência queima como fogo prometeico, que traz benefícios às multidões, ou, como queiram, aliviando o sofrimento humano. É um caso clássico no qual apenas a húbris, o excesso, torma possível o impossível. Ali, qualquer prudência teria matado a ciência. Masters & Johnson evidenciaram engenho para cruzar uma terra de monstros (como se denominavam os territórios desconhecidos na cartografia antiga), e a série é uma boa ferramenta de entretenimento e educação ao conseguir dar conta dessa práxis viva de levantar novas perguntas a partir de frescas respostas. E os vilões são, para alegria dos pesquisadores médios, os fanáticos religiosos e a burocracia universitária... Acrescento a importância do relevante desfazimento da mitomania freudiana em muitos tópicos da sexualidade. Vale a pena ler e assistir.
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