Mas creio que vou afogar meus impulsos consumistas com uma viagem de aprendiz. Comecei quando o Edu encontrou ótimas películas dos diretores Juan Jose Campanella e Luiz Puenzo. O primeiro, diretor de "Segredo de seus olhos" e do mais antigo, "Filho da Noiva"; o segundo, diretor da "História Oficial".
Exceto pelo "Filho da Noiva", os demais filmes tratam, entre outros temas, da ditadura (tão parcamente representada em nosso próprio cinema - e que assim permanecerá enquanto a Globo Filmes continuar a coordenar o mercado cinematográfico brasileiro).
Diz-se que os argentinos são os mais orgulhosos latino-americanos, mercê de sua antiga liderança na sudamérica espanhola. Bem, não vou culpá-los por tal: o pão de cada aula de história são as ficções nacionalistas, que provam sua serventia ao talvez contribuir para que os atormentados adolescentes não sucumbam às tentações das janelas ou dos formicidas. Embora, já se viu, certo estivesse Lênin: o nacionalismo era a doença de infância do socialismo.
Em favor de nuestros hermanitos, posso dizer que, entre todos os defeitos disponíveis nas prateleiras da história, a coragem talvez seja o melhor deles (se não me engano, Aristóteles a tempera com a inteligência, o que é bom). Os argentinos escolheram bem o seu defeito. O nosso, a cordial malandragem, é bem pior (mas não se desesperem, decentes compatriotas: ainda temos chances, já que o combustível do Sol só se acaba daqui 5 bilhões de anos e ainda temos Zumbi dos Palmares).
De ditaduras, os hermanos foram quase tão bem servidos como nós, mas a inspiração das Luzes foi bem mais feliz que entre tupiniquins: enquanto pedaços de nossos inconfidentes adornaram os postes de Ouro Preto, a cidade mais importante do Brasil colônia (e vejam, cidade que nunca passou de um acampamento coalhado de igrejas católicas; território de escravos e paisagens terrivelmente explorados); enquanto nem mesmo sabemos os nomes de muitos Heróis, os argentinos idolatram os deles, e construíram uma Buenos Aires que não é um acampamento, mas uma bela e luminosa cidade.
A última ditadura na Argentina durou singelos 7 anos (1976-1983), enquanto a nossa estendeu-se por mais de 20, tendo se encerrado com uma detestável anistia para os torturadores. As recordações dos nossos valentes torturados não valem um reclame do PlimPlim, enquanto as mães da Plaza de Maio desfilam, até hoje, colos ultrajados pela falta de seus rebentos, enxovalhando semanalmente seus milicos.
Parêntesis, para tornar infelizes os felizes: as nossas Forças Armadas continuam no topo do ranking das instituições públicas mais bem avaliadas. Essa eu li na Folha de S. Paulo, mas não me lembro quando.
"História Oficial" (1985) é sobre a descoberta dos horrores que assolaram o território argentino: uma professora de história, Alicia, descobre que sua filha adotiva (Gaby) teve como mãe uma moça torturada e morta nos porões da ditadura. A narrativa retrata a laboriosa passagem da história oficial à história dos vencidos, tão cantada por Benjamin; tão frágil quanto dolorosa, especialmente nas palavras de Sara, a possível abuela de Gaby. Sara é uma das mães da Plaza de Mayo. Comove particularmente ver sua limpa modéstia: sentada na portentosa sala-de-estar da burguesa Alicia, ela descansa no chão o estandarte com a foto de sua filha morta dentro de uma bolsa caprichosamente bordada. Esta é a bolsa da valentia latino-americana: aprendamos com ela antes que o Sol se esfume.
Pôster de divulgação: não se assustem, o filme é bem melhor do que parece aí!
Duas amigas e uma birita
Para ler mais:
http://www.rottentomatoes.com/m/official_story/