Anos atrás, fui atraída para um comentário de Deleuze, citando fala de Scott Fitzgerald sobre o casamento dele com Zelda: "Eu amei a loucura em seus olhos. Ela amou a bebida em meus lábios".
Essa frase me desorganizou o sistema. O amor não são só as cantigas de ninar das mães, as valsas repletas de pudores angelicais, o eufemismo para as passagens de sedução que tanto amamos em Kundera?
Mas eram assim os votos matrimoniais dos jovens Fitzgerald. Os defeitos-virtudes sociais do escritor e de sua mulher formavam um círculo perfeito; diferente, talvez, do amor convencional que contém certa dose de recolhimento, o deles era um amor público a virtudes, na sua maioria, vazias (inteligência, talento, beleza, impetuosidade). O "justo meio", procuraria Aristóteles! Esse preceito pode ser difícil de atingir onde a vida pública gira em torno de seu próprio eixo, como uma enceradeira rangente e monótona, pronta a ser descartada quando um taco velho começa a se descolar. E descolou.
Scott e Zelda amaram bebida e loucura também quando espelhadas nos olhos dos seus admiradores. Scott, mais autocrítico, sofreu da vergonha de adivinhar a futilidade - mas, incapaz de conter a fúria exibicionista de Zelda, fiel escudeiro dessa poetisa prática, usufruiu de suas virtudes-defeitos como prisões sociais de estadia temporária, estações na direção do esquecimento.
Juntos, transcendiam qualquer espírito pragmático (como quem não precisasse da vida prática, vida comezinha e pobretona à qual Zelda jamais se ajustou), o horror ou a vergonha, a beleza de ambos potencializando os seus atos bizarros, eles vingaram-se do convencionalismo criando excessos impossíveis de superar, mas também, vazios de sentido, de devir ou de beleza própria. E acabaram, bem, como sinônimos de um tempo de vazio e abundância, não sei se devia ser assim.
Zelda queria era superar a própria beleza com um valor novo: ela mesma. Mas ela não duraria, e dessa aposta malograda em sua própria grandeza, vai tentando encontrar novos sentidos para a Vida, até estancar os horrores suicidas com - pasmem! - o mais convencional de todos, a religião. Scott era o humilde tradutor do projeto insano da mulher, de sua aventura impossível.
Scott e Zelda amaram bebida e loucura também quando espelhadas nos olhos dos seus admiradores. Scott, mais autocrítico, sofreu da vergonha de adivinhar a futilidade - mas, incapaz de conter a fúria exibicionista de Zelda, fiel escudeiro dessa poetisa prática, usufruiu de suas virtudes-defeitos como prisões sociais de estadia temporária, estações na direção do esquecimento.
Juntos, transcendiam qualquer espírito pragmático (como quem não precisasse da vida prática, vida comezinha e pobretona à qual Zelda jamais se ajustou), o horror ou a vergonha, a beleza de ambos potencializando os seus atos bizarros, eles vingaram-se do convencionalismo criando excessos impossíveis de superar, mas também, vazios de sentido, de devir ou de beleza própria. E acabaram, bem, como sinônimos de um tempo de vazio e abundância, não sei se devia ser assim.
Zelda queria era superar a própria beleza com um valor novo: ela mesma. Mas ela não duraria, e dessa aposta malograda em sua própria grandeza, vai tentando encontrar novos sentidos para a Vida, até estancar os horrores suicidas com - pasmem! - o mais convencional de todos, a religião. Scott era o humilde tradutor do projeto insano da mulher, de sua aventura impossível.
Não era um pacto de amor sadomasoquista. Talvez fosse uma simbiose, uma fusão completa, uma paixão absolutamente infantil por poderes mais ou menos inofensivos aos outros, Scott e Zelda, princesa encerrada na torre da loucura; marido em luta inútil para mantê-la a salvo de si mesma. E Scott lamentou-se por deixá-la seguir em seu curso sem volta, participando dos bizarros happenings de Zelda, mulher-bruxa, força natural em seu paganismo meio cômico e meio trágico. Junto dela até o fim, Fitzgerald foi, sem dúvida, um romântico. Recebeu de presente sucesso e fracasso com o mesmo olhar de pavor e culpa; no seu rosto meio irlandês, sempre o sorriso angelical e infantil. Hemingway, o"amigo"(mais propenso ao julgamento que à compreensão) que tão pouco o ajudou, viu o mundo de Scott dissolver-se em garrafas de uísque, melancolia e dívidas. Faz-nos pensar se apontar a nudez do rei - hábito de todo psicólogo - de fato ajuda-o a se cobrir, ou a tomar partido dessa nudez sem culpa.
E, diz Jeffrey Meyers (in "Scott Fitzgerald: uma biografia"), a rica jovem só queria ser ela própria. Admirando sua intrigante imagem, entendemos o porquê. Perder esse rosto segundo a segundo é necessariamente trágico, pateticamente banal: desperdício e crueldade do tempo combinados com um progressivo encolhimento do espaço social. Talvez eles coubessem mais como antigos ícones da melancolia contemporânea. Um epitáfio cabe-lhes: they had fun!
E, diz Jeffrey Meyers (in "Scott Fitzgerald: uma biografia"), a rica jovem só queria ser ela própria. Admirando sua intrigante imagem, entendemos o porquê. Perder esse rosto segundo a segundo é necessariamente trágico, pateticamente banal: desperdício e crueldade do tempo combinados com um progressivo encolhimento do espaço social. Talvez eles coubessem mais como antigos ícones da melancolia contemporânea. Um epitáfio cabe-lhes: they had fun!