segunda-feira, 2 de maio de 2011

Inscrição para uma lareira

A vida é um incêndio: nela 
dançamos, salamandras mágicas 
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meio aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida…


Mário Quintana


      Ainda fascinada pelo "The U.S. against John Lennon". Recomendo. E, como toda imaginação (escravizada pelos afetos), associo o poeminha do Quintana à vida intensa do ex-Beatle - que eu sempre creditei como ex-Beatle, e não como um ser singular, dotado de idéias e vontade que pudessem subsistir à sua (meramente relativa) decadência musical. Confesso também que sempre fui adepta do ódio cego a Yoko Ono, a pistoleira, a sem-vergonha-sem-talento-e-caça-níqueis que causou o fim da maior banda de todos os tempos. 
    Mas sou velha o suficiente para reconhecer (alguns de) meus erros. O filme - cuja perspectiva é a da Yoko - e o EduKótchki - meu músico favorito - acabaram me convencendo de que John já estava noutras quando a garota e suas performances malucas (algumas interessantes, outras de gosto duvidoso, mas, enfim, nem toda experimentação dá certo, dá?) conquistaram-lhe o coraçãozinho. 
     John após Beatles cresceu politicamente: uma inspiração para nossos jovens, que jamais viram um  artista pop corajoso o suficiente para abraçar um pacifismo radical. O máximo que vêem é o Bono Vox pagando de filantropo, bem fiel à ordem estabelecida, narcisista a ponto de te dar vontade de cutucar os próprios dentes com uma faca, contar pontos em provas de títulos, ou pior, ler Kant sem anestesia. John não foi um militante de cartilhas: aí é que está a graça. Converteu seu triste destino de menino abandonado pelos pais numa permanente reinvenção de si mesmo, mostrando uma coerência e uma coragem admiráveis (além de usar mui sabiamente os montões de dinheiro que ganhou). Abdicou dessas bobagens fatalistas que há tantos anos oprimem as alternativas da esquerda política, abdicou das mulheres com pinta-de-estrela-de-cinema, abdicou da maior banda do mundo (ou antes, reconheceu seu fim) e, por fim, abdicou de recuar quando perseguido por Nixon e a CIA, e outros caras menos poderosos, mas igualmente infelizes nos seus destinos carimbados e sombrios de promoções e carreiras escusas. 
     Sua chama foi bela e alta, como diria Quintana, também por ter conhecido a alegria e o amor (sem ser brega ou tolo), elevando sua chama johnisíaca até uma gloriosa extinção: 

And in the end
The love you take
Is equal to the love you make (Paul MacCartney, "Abbey Road". The Beatles)



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