Vi, revi e comprei esse grande filme na época de seu lançamento. Sentia algo cativante no humor autoirônico da obra de Sam Mendes. Revê-lo agora, em minha própria crise de meia-idade, foi como reencontrar um amigo de conversas casuais, em que, de repente, descobrimos uma profundidade insuspeita. Uma vida interior interessante e rica.
Antes, agrupava-o apenas entre essas fortes obras de crítica cultural americana do crepúsculo - majestoso crepúsculo, diga-se de passagem - da era do grunge. Pontos principais da nova leitura: no conteúdo, existe algo de trágico sob a superfície das taras, do vazio da vida de Lester, e, na forma, um apuro fotográfico ímpar, a mão de um gênio na condução cinematográfica de Sam Mendes.
Em outros tempos eu me apiedava de Lester. Tipo, muito. Agora que sou um Lester, me exaspero. A vida nos derrota sem passar o recibo, sem mostrar o placar, e como mostra a literatura em psicologia do desenvolvimento, não sentimos a idade que temos até que, de repente, o jogo está quase no fim.
Assim, posso entender os tarados repulsivos, velhos ou de meia-idade, que tentam se aproximar das mocinhas. Eles não sabem que se tornaram repulsivos: apenas não se veem como mais velhos; sua experiência de vida ressalta o inestimável (e eterno) valor dos prazeres mais simples. Como Lester: um sexo animal, um bom beque, um LP que você escutava até cansar. Lester revive a esperança de traçar uma linda garota, malhando no jardim da garagem ao som de Pink Floyd. Coloca a esposa no papel da mãe a ser confrontada, elevando o jovem vizinho adolescente ao lugar de modelo a se seguir, para quem conta histórias de loucuras adolescentes nos anos 1970.Eu me senti meio Lester meses atrás, quando narrava a um grupo de jovens cenas de alguma boate exótica da Rua Augusta. O quão patético é isso? Sim, bastante patético. Esta p*** vida não lhe dá segunda chance e você por vezes se sente assim, um cheque em branco que volta sem fundos - não do banco, mas da era do cheques para carteira digital do Google.
Sinto que a câmera atravessa o mundo interior um tanto quanto esvaziado dos personagens. E se alguém se aproximar do nosso mundo, haveria também sinais desse vácuo, dessa fragilidade, dessa solidão? A ameaça de Lester contra a companhia que o emprega é, talvez, uma caquética revolta adolescente contra o sistema ao qual ele aderiu, que agora, mais velho, não lhe dá margem alguma, nem mesmo para criar um modesto acordo de sobrevivência sem se sujar.
Mas, quando vemos as novas atividades Lester, lembrando que cada dia que nasce é o primeiro do resto de sua curta vida, acompanhamos mais uma segunda chance de que ele, se distraindo, a desperdiçe outra vez.
A Gisela de meia-idade apreciou muito mais os outros personagens, seu apego à autoajuda para resolver uma também irremediável solidão. Carolyn não é tola nem autoritária, mas frágil e temerosa. Beleza Americana parece se movimento no mundo pirandeliano dos seis personagens em busca de um autor. Quem pode ser, e onde está nosso autor? Quem vai refazer a vida quebrada, preencher esse vazio? Os personagens não se realizam realmente, apenas atuam, enquanto a consciência, intacta, sabe de seu ocaso e se afunda, a falta de termo melhor, em sua própria impotência.
Escrevo essas palavras sentada numa tapiocaria muito bonita, onde sopra a brisa natalense e não tenho mais nada o que desejar. Mas aqui, fecho a conta e a minha reflexão final: para quem não tem nem mesmo minha pequena obra para chamar de sua, imagino que o sentimento da vida gasta e desgastada a serviço da iniciativa privada deva ser verdadeiramente desesperador. Aí é que a tragédia de Lester, de um jeito ou de outro, se torna a própria tragédia de todos que vendem horas para enriquecer o topo da pirâmide no modo de produção capitalista. Haja LPs do Pink Floyd ou umbigos de pin-ups para dar jeito nela.
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