quarta-feira, 5 de março de 2014

MANOEL BONFIM - Elite, parasitismo e colonização

Do livro (disponível online): "América Latina: males de origem"

[Vejam se não temos aqui o vivo retrato da elite brasileira!]

[Introduzindo a problemática do parasitismo português e espanhol, afirma Bonfim]


"Vivendo parasitariamente, uma sociedade passa a viver às custas de iniqüidades e extorsões; em vez de apurar os sentimentos de moralidade, que apertam os laços de sociabilidade, ela passa a praticar uma cultura intensiva dos sentimentos egoísticos e perversos. Os interesses coletivos, o perigo ou receio de ver escapar-se a presa podem levar os membros desses grupos parasitas a defender-se em comum, a proceder de forma a aparentar uma socialização adiantada; mas não há nisto verdadeiro progresso moral – qual consiste no horror da injustiça, independente de qualquer vantagem pessoal. Que juízo se pode fazer da beleza moral dessas almas, que passavam a existência a cortar de açoites as carnes de míseros escravos e que aceitavam como legítimo o viver do trabalho destes desgraçados, cuja vida será um martírio contínuo?!... Se as sociedades atuais se consideram como mais adiantadas e moralizadas que essas de dois ou três mil anos atrás, é certamente porque, hoje, nós nos interessamos pela sorte do ser humano, qualquer que ele seja, independente de qualquer restrição – de classe ou de nacionalidade. Hoje, existem verdadeiros sentimentos de humanidade, desconhecidos, quase, nessas épocas remotas."

"Quando começou a colonização da América, já as nações peninsulares estavam viciadas no parasitismo, e o regime estabelecido é, desde o começo, um regime preposto exclusivamente à exploração parasitária. Desde o início da colonização, o Estado só tem um objetivo: garantir o máximo de tributos e extorsões."

"Quanto a Portugal, a passagem ao sedentarismo foi mais complexa. Ele era pequeno demais para a presa que se lhe deparou; esta lhe caiu dos dentes antes que se houvesse normalizado o parasitismo sedentário. A transformação ia se fazendo, mas foi perturbada, justamente, pela desproporção entre o parasita e a vítima."

"Foi mister transcrever longamente; transcrever e repetir. Repetições propositais para deixar bem evidente o caráter da conquista portuguesa: saquear, sem nenhum outro objetivo – a rapina, a pirataria, o parasitismo
depredador."

“Para obter alguns quilogramas de ouro, os conquistadores espanhóis massacravam às vezes uma população inteira de uma cidade. Estas gentes não conheciam a piedade. Em algumas décadas despovoaram um continente. O governo estabelecido por esses homens foi conforme a sua natureza feroz de selvagens. Será preciso longos anos para que os americanos do Sul se possam erguer desse regime espantoso”. J. Novicow, La Revue, Paris, 1º junho de 1902, p.510.

A história, comenta um outro historiador, não oferece nenhum exemplo de soldados tão subitamente enriquecidos. “Assim, é natural que todas as famílias quisessem mandar representantes seus ao Novo Mundo, a recolher a sua porção do precioso metal... e as chusmas emigravam para a América. Emigravam não é o termo apropriado: corriam pressurosos à procura de tesouros, para gozá-los depois em sossego na terra pátria”.

"Despovoado e inculto o reino, miseráveis as populações, nem riqueza, nem trabalho, as minas do Brasil deram ao rei e ao povo uma fortuna que o reino lhes negava.(...) Foi sobre o ouro do Brasil que se levantou o novo trono de D. Pedro II; foi com ele que D. João V e todo o reino puderam entregar-se ao entusiasmo dessa ópera ao divino, em que se desperdiçaram os tesouros americanos (...) O quinto do ouro começou a render cerca de 12 arrobas por mês. Para que se possa avaliar a sua importância, para que ninguém se iluda
supondo que os desperdícios faustosos de D. João V traduzem um renascimento de riqueza natural do reino, poremos aqui uma nota das massas de metais e pedras preciosas que D. João V recebeu do Brasil: 130 milhões de cruzados; 100 mil moedas de ouro; 315 marcos de prata; 34 mil de ouro em barra; 700 arrobas de ouro em pó; 392 oitavas de peso e mais 40 milhões de cruzados, de valor, em diamantes. Além de tudo isto, o imposto dos quintos e o monopólio do pau-brasil rendiam anualmente para o tesouro cerca de milhão e meio de cruzados (...)"

[depois da independência do Brasil] "Agora, queriam todos parasitar diretamente do Estado"

"O importante era recolher a riqueza e digeri-la. Todo o mundo correu à obra, todas as classes se
incorporaram ao parasitismo. O Estado era parasita das colônias; a Igreja parasita direta das colônias, e parasita do Estado. Com a nobreza sucedia a mesma coisa: ou parasitava sobre o trabalho escravo, nas colônias, ou parasitava nas sinecuras e pensões. A burguesia parasitava nos monopólios, no tráfico dos negros, no comércio privilegiado. A plebe parasitava nos adros das igrejas ou nos pátios dos fidalgos"

"Traduzir é o ideal: inventar considera-se um perigo e uma inferioridade: uma obra poética é tanto mais perfeita, quanto maior número de versos contiver traduzidos de Horácio, de Ovídio."

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