sábado, 19 de novembro de 2011

Uma grunge na colônia

Então, estive nesse Congresso. De um ponto de vista antropológico, sempre me interessou essa ordem social composta por professor@s de pós-graduação e seus grupos de pesquisa, alun@s que, como abelhinhas, esvoaçam ao seu redor, ansiando por agradar. Sessões de comunicação com um público variando de 15 a 30 pessoas, grupos rivais bastante territoriais. Certa pessoa da platéia demonstra preferência por autor rival, e ess@s alun@s imediatamente declaram a preferência por seu próprio autor e, tal crianças frente à figura de apego, olham imediatamente para a líder em busca de aprovação.

O fator sobrevivência, em muitos casos, é o que mais pesa. Em áreas de pobre empregabilidade, tornar-se professor universitário é bastante sedutor. Muit@s enfrentam anos de longas viagens, com bolsas ou empregos que @s mantêm nos estritos limites da sobrevivência, chegando a misturar a jornada de chefes de família, trabalhadores e pós-graduandos. E, ainda por cima, são obrigados a inserir os nomes de seus orientadores em pesquisas nas quais eles não contribuem.

Muit@s orientador@s não tomam conhecimento desse cotidiano dos pós-graduandos, sequios@s por multiplicar seu poder de estilo colonial, tão longe da democracia quanto a USP está hoje - a principal universidade brasileira ´está vergonhosamente escorchada pelo seu próprio reitor, forte indício de como nosso Estado, e consequentemente, a produção de conhecimento, organiza-se.

Nesse Congresso, chamou-me a atenção o tom de voz áspero e grosseiro de uma orientadora em particular, sua ansiedade por satisfazer os pesquisadores estrangeiros e demonstrar seu domínio intelectual sobre um pequeno grupo de orientandos que variava da vulnerabilidade a uma silenciosa resignação. No cúmulo da loucura, tem-se uma preocupação obsessiva com a ortofonia e a ortoteoria: como se pronuncia tal nome? O que tal autor realmente quis dizer? E que tem lá seu fundamento, pois se faz em um contexto no qual - cientes do fato de que são poucos os que dominam idiomas herméticos (como russo e alemão) - muitos intérpretes alteram o pensamento dos mestres estrangeiros a seu bel-prazer. Malefícios da Universidade pensada fundamentalmente como local de tradução e interpretação, na qual os recursos para pesquisa são invariavelmente escassos.

Essa coisa toda é meio colonialista e me chama a atenção para o fato de que o tamanho dos grupos varia proporcionalmente à simpatia do orientador, e os indivíduos realmente sociáveis e humanos constituem grupos amplos, plateias que acabam devotando-lhes verdadeira adoração, elemento que ocasionalmente serve a quebrar os muros Universidade-sociedade e servir a boas causas.

Mas, falando no geral, ess@s orientador@s, restritos ao seguro ambiente acadêmico, marcam-se por uma notável falta de realismo. Ressalto o momento no qual estava em pé dentro do ônibus que levaria os congressistas para o centro da cidade, quando entra uma figura importante da psicologia nacional - a qual não me conhecia - entra e diz, com um tom de quem há muito tempo não ouve uma frase negativa: "vão indo!".

Mas não dava. A Universidade brasileira é mesmo um busão lotado, mas com ar condicionado.
---
Intelectualmente, vejo problemas nessa organização. Lembro-me de um Manifesto do Miguel Nicolelis, em que ele critica a hierarquização da universidade brasileira, comentando que no exterior você tem o dever de defender teses originais e criar conceitos. Pensar de modo criativo demanda cooperação e liberdade. O amor às hierarquias acabou gerando certa estagnação na produção intelectual, pois os grupos preocupam-se muito mais em não ofender mutuamente seus orientadores, que por sua vez preocupam-se em ser nutridos por seus contatos internacionais e em não romper (ou não azedar por completo) as alianças com grupos nacionais.

Também eu, é claro, carrego em minha consciência nossa história de colonização. Mas tive a boa sorte de que minha primeira camada 'metropolina' tenha sido feita de Nirvana, gestada nos terríveis subúrbios de Aberdeen e não nas fulgurantes luzes de New York. E quando me lembro daquele pequeno grupo da orientadora de tom áspero, se me evoca esse grande clássico de Kurt Cobain, desejando mais do que nunca ter tido a chance de me acabar em uma plateia grunge, perante o meu verdadeiro ídolo de adolescência tardia. Quiçá possa alcançar a integridade, a verve e o amor pela verdade que muitos nunca lhe reconheceram, confundidos pelos caracteres acidentais da heroína e do suicídio:


Nirvana, Serve the servants, MTV [Live]

2 comentários:

  1. putz, que sabias palavras em Gisele, mais pura verdade, e infelizmente o video diz tudo Sirva os servos.


    ... video(relembrando tempo passado)rs

    ResponderExcluir
  2. oi!
    "(...) se me evoca esse grande clássico de Kurt Cobain" - muito bom. A argumentação também é sagaz. E na minha ignorância, concordo com a postura do Nicolelis, embora ache que sua defesa do modelo norte-americano não se aplicaria facilmente por aqui... penso na farra que, ouvi dizer (quando estudava), acontecia nas fundações que vinham rolando na USP. Mas pouco entendo dessas coisas. Nesse ponto você e o Domeck estão (anos-luz) melhor aparelhados.

    ResponderExcluir

Facebook

Total de visualizações de página

53,370