domingo, 31 de março de 2013

Gênero, polícia e espaço público: o mau uso das praças e parques em Goiânia

Criada na periferia de Bauru, São Paulo, o conceito de praça da minha adolescência reduzia-se à rodela de grama do Jd. Godoy, com seus bancos quebrados e um Sol impiedoso batendo no coco.
Mas, praça ou não praça, apropriávamo-nos da rua estendendo redes de vôlei que sempre se dava um jeito de emprestar. Talvez a proporção de garotos e garotas fosse de uns 60 para 40%, ou, no máximo, 70 para 30%.
Em São Paulo, capital, a coisa talvez fosse pior: perifa não tem nada, só camburão do IML com seus gritos de morte a romper as vielas. Na rica região do Parque da Água Branca, eu tinha que desviar de muitos ambulantes - o Parque estava se tornando uma espécie de shopping a céu aberto: nada de linhas retas para caminhada, e uma baita poluição sonora. Paradoxalmente, os velhinhos seresteiros que se reuniam ali com seus razoáveis violões tomaram um bilhete azul do Governo do Estado. Prédios da Assistência Social e da Agropecuária distribuíam-se ao longo do parque, que fechava cedo demais pela importância que tinha para os moradores da região. Veja mais aqui.
Em Goiânia os espaços públicos são maiores e melhores. Mas, diferente da Bauru da minha adolescência, há uma tremenda discriminação de gênero em sua ocupação. Se você vai a parques como Areião, dos Flamboyants ou dos Buritis, encontrará famílias, jovens em reuniões evangélicas, namorados (inclusive GLBTT) e mesmo pares ou grupos em passeios fotográficos. Próximos de bairros bem cotados, estes são parques para a classe privilegiada, embora muita gente humilde os frequentem - particularmente, os Buritis.
A coisa muda totalmente de figura na Praça Universitária ou no Parque do Botafogo. Ontem eu era a única pessoa do sexo feminino caminhando pelo Parque, com espaços de prática esportiva tomado por jovens em atitude agressiva - inclusive alguns motociclistas que buzinavam ao passar, totalmente indiferentes à necessária multiplicidade de uso do espaço. Poucos idosos transitavam ali.
Diferentemente dos demais, ali há uma quadra e um campo de futebol. A mensagem é clara: em Goiânia, esporte é coisa de macho. E essa brutalidade na ocupação do espaço revela-se também na produção de ruído alto, afugentando os que buscam contemplação.
Alguns diriam que é a própria atitude ostensiva dos grupinhos masculinos que as mulheres temem, razão para não se aproximarem. Mas não será necessária uma atitude afirmativa das mulheres? Por que as garotas estão presas em casa? Estaremos condenadas a ficar no recesso do lar, vendo programas de tevê em que os outros se divertem, enquanto nos entendiamos, nos deprimimos e engordamos? Ou a bater pernas em shoppings, espaço tão vazio, antidemocrático e emburrecedor quanto uma sala-de-estar com televisão e sem livros? Por que a única biblioteca pública de Goiânia tem um acervo que rivaliza, em  antiguidade, com a cidade, e em diversidade, com as livrarias evangélicas da Rua 4?!
Mas agora falo da Praça Universitária. Ali, quem mais perturba é a polícia - que tara ela tem pelos jovens frequentadores! Sem sombra de dúvida, é o espaço com mais policiamento de todos os que eu citei. Meu fado de andarilha insatisfeita completa-se com as inúteis sirenes que contribuem tanto para a poluição sonora do local. Cheguei a ver duas viaturas do choque rodando por ali simultaneamente, com o entusiasmo de quem iria reprimir a Al-Qaeda ou o Fernandinho Beira-mar. Garotos jogando bola nas imediações da Praça também são - falo como testemunha ocular - uma ameaça digna de atenção dessa instituição historicamente estúpida e repressora em nosso país.
Vi muitas vezes os policiais passarem uma descompostura nos garotos da Praça, quase sempre, nos de aparência humilde e pele mais escura. Mas a juventude resiste e continua por ali - particularmente, os skatistas, que devem ser alvo da polícia (embora não os brancos), pois o cheiro de maconha é frequente perto deles.
Provando a inefetividade da repressão, a praça virou o lugar mais pichado de todos os que eu mencionei neste post. Não mais um local em que seja agradável estar, e tampouco um espaço plural: é um espaço de tensão institucional. Lugar predominantemente frequentado por garotos, especialmente nos feriados, os quais também produzem uma poluição sonora considerável, participando de uma degradação do espaço público similar à que encontrei no rico Parque do Areião há alguns meses atrás.
Eu conto: ao tentar pedir a um grupelho de bêbados que churrasqueava ao lado de seu potente carrão, estacionado na pista de corrida[!], para desligar seu altíssimo CD Player, fui sumariamente xingada. Está claro que promoção de educação ambiental e cidadania não é tarefa para indivíduos isolados. Penso que esse episódio é emblemático da apropriação autoritária do espaço público: forçar estranhos a ouvir algo que eles não escolheram, desconsiderar por completo a possibilidade de prejudicar espécies do parque com lixo e ruído, organizar grupinhos com postura intimidatória para evitar a divisão do que, por direito, é de todos. Penso que algumas coisas precisam ser feitas:
1) Mais educação ambiental para todos - por que só guardas e polícia são vistos como interessantes? Por que não colocar agentes de educação ambiental ao invés de policiais nesses espaços?;
2) Ampliação da presença das mulheres nesses espaços, particularmente nos dedicados ao esporte - se necessário, com administração de horários exclusivos para elas, até que tal presença se consolide;
3) Construção de mais espaços de lazer e cultura, com a integração dos jovens, adultos e idosos na sua gestão.


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